A expansão generalizada das economias ao longo da década de 90 não ensejavam possibilidade de considerar seriamente qualquer proposta de regulamentação e controle
Notícia publicada na edição de 04/01/2013 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
* Rui Aurélio De Lacerda Badaró
A atual crise financeira mundial arrasta-se desde 2008 e ainda sem fim, ocultou outras crises internacionais como os casos do Iraque, Afeganistão, Coréia do Norte, Egito, a atual crise da Síria e relegou a segundo plano a questão ambiental, como observou-se do fracasso da Conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável ocorrida no Rio de Janeiro em junho passado. Frente a crise financeira global, as outras crises, ameaças à estabilidade mundial, foram e são tratadas como modestas por comparação.
Amplamente estudada, é sabido que a atual crise financeira mundial foi causada por uma complexa interação de regulamentação financeira incompleta, governança corporativa equivocada e má gestão macroeconômica. A crise internacional aliada ao frágil equilíbrio do sistema financeiro mundial já era pressentida, porém, a expansão generalizada das economias ao longo da década de 90 não ensejavam possibilidade de considerar seriamente qualquer proposta de regulamentação e controle.
A percepção (oriunda da crise) de que a expansão descontrolada dos ativos financeiros encontrava-se na base dos problemas tornou evidente, segundo Eitii Sato, que um regime financeiro administrativo seria um componente primordial para uma nova ordem econômica internacional. Ou seja, regras e mecanismos de controle limitando as ações dos agentes financeiros como ferramenta para a redução das incertezas decorrentes da volatilidade dos fluxos de capitais.
A existência de um ambiente propício à formação de regimes econômicos internacionais fortalecidos fica evidente por conta da multipolaridade da ordem econômica internacional. A emergência da Ásia e o recuo do Ocidente no cenário econômico mundial são apenas a ponta da transformação vivida nas últimas décadas. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), logo no início da década de 80, os Estados Unidos representavam 14% das exportações mundiais, enquanto que a China respondia por apenas 1%.
Já em 2011, os Estados Unidos haviam reduzido sua participação nas exportações mundiais para 8,5%., mas, a China tornou-se a segunda maior economia exportadora do mundo, com 8%. No âmbito regional, os países da América do Sul e Caribe, no mesmo período, reduziram sua participação de 4,5% para 3,5%. A Ásia, passou de 19% para 31% em 2011. Em suma, Eitii Sato entende, como nós, que tal mudança nas economias significa também alteração na balança do poder de barganha dos países, refletindo no processo de reconfiguração das instituições e práticas que compõem os regimes internacionais.
Todavia, observa-se que a complexidade da economia política internacional oriunda da globalização aponta que uma reconfiguração será bastante difícil. Tome-se por exemplo as dificuldades históricas com o mercado no âmbito do comércio. Com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) houve um sensível fortalecimento do regime de comércio. Segundo Pierre-Marie Dupuy, o sistema de solução de controvérsias serviu de indicador de que haviam regras a serem observadas no tocante ao comércio internacional e que os Estados-membros estavam sujeitos à sanções. Eis uma das soluções para o regime financeiro internacional, qual seja, maior poder vinculante.
Por óbvio, questionamentos surgirão sobre um possível recuo no processo de globalização por conta de um fortalecimento do poder vinculante dos regimes internacionais. O fato é que o nível de integração (no sentido lato) internacional não permite tal raciocínio. Nesse sentido, a cultura, os meios de comunicação, e a própria organização social se encontram fortemente integradas em sistemas e subsistemas internacionais. Se não bastar, as organizações internacionais são exemplo, na esfera político-internacional, desta integração atual (vale conferir o ""Projeto sobre a responsabilidade das Organizações Internacionais"" aprovado em 2011 pela Comissão de Direito Internacional da ONU).
A atual crise financeira mundial representa o aprofundamento da globalização e, mais do que isso, evidencia um ajuste que demanda uma nova ordem internacional com instituições e práticas adequadas frente a um mundo transformado e completamente conectado em suas mais diversas áreas.
E como disse o eminente professor doutor Wagner Menezes: ""Transformado pela Globalização, o Direito Internacional contemporâneo é impelido a oferecer mecanismos que respondam à sociedade nos diversos temas incorporados pela agenda internacional, vez que atinge a importância devida como exclusivo instrumento regulador da Comunidade Internacional, que vai buscar sistematizar mecanismos de controle e disciplina das relações estabelecidas no seio daquela"". Movimentemo-nos!
* Rui Aurélio De Lacerda Badaró é professor de Direito Internacional e advogado - presidencia@oabsorocaba.org.br
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